SECURAS
SECURAS
Vivemos securas. A aridez nos consome. Nesses dias, parece faltar o líquido que lubrifica nossos cotidianos. As securas não são somente aquelas que dizem respeito ao clima, ainda que o clima social dessas terras não esteja propício a boas fertilidades. Olhamos para o horizonte e só enxergamos mais terra seca. Pisar num chão seco machuca nossos pés, deforma e adoece nossos corpos. Vivemos securas, estamos no meio do fogo. Inferno. O que podemos fazer?
Da qualidade
do fogo, essa já conhecemos, louvamos sua existência. Forjar, aquecer,
cozinhar, assar. Não é deste fogo que falamos, mas sim daqueles que instalam securas,
queimando nossas vontades. Estão enxugando nossos desejos, murchando nosso
querer.
O rei, em sua
ávida secura, incendiou a terra. A boca do rei é seca. Seu corpo esta secando.
Seus pensamentos denunciam uma esterilidade que contamina. O rei é seco e
convoca uma legião ressequida, sem alma. Infecundos, sua produção é da ordem
das rudezas, das ignorâncias. Trogloditas torpes, bufões sem humor. Não possuem
o húmus indispensável para tornarem-se
humanos. O que podemos fazer?
É preciso
molhar-se, encharcar-se de ânimo para fertilizar-se. Adubar-se para germinar
outras poéticas. Como donos da terra, temos de aguá-la para não deixá-la morrer.
É preciso semear novamente, colher outras verduras. Verdes plantas, vitaminadas
com outras potências. Cultivar em comum. A plantação e a colheita precisam ser
coletivas. Sozinho, ninguém fertiliza uma terra árida. Se não quer plantar,
apenas coletar o que a terra te dá, combata o rei e seu exército, pois eles não
querem terra nenhuma. Eles não querem herdar a terra, pois vivem de nossas
securas.
Delirantes,
buscamos mais umidades, ansiamos por vidas inundadas de bondades, molhadas
pelos afetos; cobiçamos vidas regadas por esperanças. Mas são esperanças que
não esperam, elas expulsam aquelas crenças quase canônicas, salvacionistas, que
buscam melhores amanhãs. São esperanças que pulsam para revoltar no hoje, nos
instantes em que nos encontramos plenamente vivos, em contato com os outros e
com o mundo.
Corpos
separados, desejos cindidos. Incompletude dos anseios. Desatamos. Podemos dar
outros nós? Criar outras realidades? Quais suturas nos ligarão? Como seremos
juntados novamente? O que nos emenda não possui forma, cor, gosto, cheiro, mas
possui forças. É por isso que criamos o que se chama “água corrente”. Na terra seca, qualquer gota é bem vinda.
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